Autor Rafael Abuchaibe - Da BBC News Mundo
Em um mundo obcecado pelo desempenho, há muitas vozes que, em seu esforço para descrever o prazer e o desejo sexual em termos de "realizações" e "objetivos", sugerem às pessoas números mágicos e metas que devem atingir para ter uma vida sexual feliz a dois.
"A maioria das vezes em que as pessoas vão à terapia de casais, em todo tipo de combinações de gênero e relacionamentos, é por uma diferença no desejo", diz Emily Nagoski, sexóloga americana e autora de dois livros de sucesso sobre o desejo nas relações.
"Descrevem o sexo por um senso de obrigação. Sexo segundo as regras que acreditam que devem seguir, e aqui eu proponho uma ideia 'louca': não querer o sexo que você tem disponível no seu relacionamento não te torna 'disfuncional' se o sexo que você tem disponível não for o que você gosta."
"O sexo deve ser brincalhão, deve ser alegre e menos vinculado ao cumprimento de metas."
Nagoski é PhD pela Universidade de Indiana (EUA), especializada em sexualidade humana e autora dos livros Come as you are ("Venha como você é", em tradução literal) e Come Together ("Venha Junto"). Os títulos são jogos de palavras - em inglês, a palavra come também é usada para descrever o orgasmo.
A pesquisadora se tornou uma das mais reconhecidas estudiosas sobre sexualidade e prazer nos EUA e é uma das especialistas entrevistadas na série documental Os Princípios do Prazer, da Netflix.
A BBC Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC conversou com ela. Leia, a seguir, trechos da entrevista.

Emily Nagoski - De fato, vários dados indicam que a frequência sexual tem diminuído com o tempo.
No entanto, uma das ideias principais que eu proponho é que contar o número de vezes que fazemos sexo não é a forma correta de determinar se nossa vida sexual vai bem.
Pense em um casal que tem encontros muito frequentemente, mas pelo menos um dos membros não aproveita nada disso. Você preferiria essa situação ou, melhor, um casal que, embora não tenha sexo tão frequente, quando o faz, ambos aproveitam ao máximo?
É evidente que o segundo caso é mais desejável. Por isso, não devemos tomar a frequência como o principal indicador de satisfação sexual.
BBC Mundo - Existe essa percepção de que é preciso cumprir com um número de relações ou orgasmos para ter uma vida íntima "bem-sucedida". Você acha que isso pressiona demais as pessoas e, consequentemente, reduz o desejo delas de fazer sexo?
Nagoski - Sim, as pessoas procuram uma forma de medir algo que, na realidade, é subjetivo. É mais fácil contar quantas vezes o sexo acontece do que medir o prazer ou a qualidade dessas experiências.
Além disso, muitas crenças culturais sobre quantas vezes "deveríamos" fazer sexo ou quantos orgasmos "devemos" alcançar acabam sendo absorvidas.
Eu conheço o caso de um casal que decidiu "cumprir" uma certa frequência semanal porque havia lido que esse era o número médio, pensando "assim ninguém pode dizer que não tentamos".
O problema é que ela estava fazendo isso mais por obrigação do que por um desejo real e, quanto mais repetiam, mais a ideia de que o prazer dela não importava se reforçava. Ela acabou ficando profundamente ressentida, e a relação foi prejudicada.
Isso mostra que não se trata apenas da quantidade, mas de quão satisfatório isso é para todos os envolvidos.
Nagoski - Descobri que os casais que mantêm uma conexão sexual sólida tendem a compartilhar três características.
A primeira é que genuinamente se agradam e se admiram mutuamente; parece óbvio, mas desempenhar um papel de agrado e respeito aumenta muito a qualidade do sexo.
A segunda é que eles dão prioridade ao sexo, entendendo que ele traz algo valioso e único para o relacionamento. Embora passem por momentos de pouca atividade, sempre buscam se reconectar porque reconhecem sua importância.
A terceira, que sempre considero a mais difícil de alcançar, consiste em se libertar das regras que foram absorvidas da cultura, da família ou da religião sobre como o sexo "deve" ser e se atrever a descobrir o que realmente funciona para eles.
Muitas vezes, isso implica reconsiderar crenças profundamente enraizadas e aprender a comunicar os próprios desejos e limites.
BBC Mundo - Mesmo sabendo da importância da comunicação para melhorar, parece muito difícil falar sobre sexo. Por que você acha que isso acontece?
Nagoski - Muitos de nós crescemos com a ideia de que, se é necessário "falar sobre isso", é porque algo está errado.
Mas, quando analisamos casais que descrevem sua vida sexual como maravilhosa, vemos que eles falam sobre o tema com total naturalidade, como quem fala sobre um hobby compartilhado.
Eles adoram relembrar o que funcionou, pensar no que gostariam de experimentar na próxima vez…
No entanto, existem dois medos muito comuns: um de dizer algo que choque o parceiro e que depois ele não consiga te ver da mesma forma; e o outro de ferir seus sentimentos.
Se o que você busca é maior conexão, é assustador pensar que você pode provocar o contrário.
Por isso, recomendo começar com o que chamo de "conversa sobre a conversa": admitir que você deseja que a vida sexual melhore e que, embora ninguém tenha te ensinado a falar sobre isso, você quer fazê-lo com cuidado e respeito.
Assim, ambos acordam como se comunicar de maneira compassiva e eficaz.
Nagoski - Em grande parte, as pessoas LGBTQIA+ já tiveram que questionar as imposições culturais sobre sua identidade.
Ao romper com a norma, elas desenvolvem o hábito de desafiar regras e buscar o que realmente faz sentido para elas.
Além disso, quando compartilham o mesmo gênero, às vezes evitam certas barreiras comunicativas ligadas à forma como homens e mulheres são tradicionalmente criados.
O que me preocupa particularmente são os casais heterossexuais, pois tendem a ter mais encontros sexuais, mas os aproveitam menos.
Muitas vezes, seguem roteiros muito rígidos, não falam abertamente sobre o que realmente gostam e acabam fazendo sexo mais por obrigação ou rotina do que por desejo genuíno.
BBC Mundo - Para um casal que está passando por dificuldades e não sabe por onde começar, que primeiro passo você recomendaria?
Procurar terapia sexual pode ser muito útil. Muitas vezes, com poucas sessões um terapeuta ensina habilidades de comunicação que o casal nunca praticou antes, e isso já gera uma grande mudança.
Também sugiro a leitura de livros sobre sexualidade. Eu gosto de incluir no final dos meus livros um breve resumo dos pontos principais, porque às vezes basta mostrar esse resumo ao parceiro para iniciar o diálogo: "Li isso e achei interessante, o que você acha?".
Esse tipo de conversa ajuda a quebrar o medo e faz com que ambos parem de enxergar o sexo como um tema tabu.
Nagoski - A dor e o prazer são processados no cérebro; não são algo que acontece apenas no nível dos tecidos.
Por exemplo, se você cortar a mão com uma folha de papel enquanto foge de um leão, seu cérebro pode ignorar a dor da mão até que você esteja seguro, porque considera a ameaça do leão mais perigosa.
Com o prazer, acontece algo semelhante: ele depende de como o cérebro interpreta as sensações em um determinado contexto.
Da mesma forma, quando uma mulher passa por um parto traumático e, mesmo após a recuperação física, sente dor ao retomar a vida sexual, pode ser que seu sistema nervoso ainda esteja em "modo de alerta", interpretando a estimulação como uma ameaça.
Daí a importância da fisioterapia do assoalho pélvico e do trabalho emocional, para reeducar o cérebro a experimentar sensações de forma segura. Além disso, enfatizo: sexo nunca deveria doer; se dói, é essencial procurar um profissional de saúde.
BBC Mundo - Algum conselho final para quem deseja melhorar sua vida sexual?
Nagoski - Conheça-se bem e dê a si mesmo permissão para descobrir do que gosta e do que não gosta. Permita que seu parceiro ou parceira faça o mesmo.
Cada pessoa e cada corpo mudam com o tempo; o que antes funcionava pode não servir mais agora.
Comunique-se com franqueza e crie um ambiente seguro: se o cérebro interpreta uma ameaça, dificilmente haverá prazer.
Por fim, não hesite em pedir ajuda ou se informar.
O sexo satisfatório é aquele em que ambas as partes (ou todas as envolvidas) estão igualmente felizes por estarem ali.
Essa é a chave para que, mais do que a frequência, a experiência seja realmente prazerosa e enriquecedora.
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