Redação Terra
-
As duas primeiras sessões para decidir o destino da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete aliados de tentativa de golpe de Estado foram realizadas na terça-feira 25, e terminou com derrotas para as defesas. A corte rejeitou todos os questionamentos processuais apresentados pelos denunciados como integrantes do “núcleo crucial” da tentativa de golpe de Estado. A decisão final ficou para esta quarta-feira, 26.
Na última sessão, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) --formado pelos ministros Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Alexandre de Moraes e Flávio Dino-- votará por aceitar ou negar a denúncia da PGR. Caso a denúncia seja aceita, os acusados se tornam réus em uma ação penal e respondem ao processo no STF. Se a maioria optar pela rejeição, o caso é arquivado.
A decisão envolve os integrantes do Núcleo 1, que, segundo a denúncia da PGR, são responsáveis por liderar a tentativa de impedir o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), após as eleições de 2022. São eles:
Jair Bolsonaro - ex-presidente da República;
General Braga Netto - ex-ministro da Casa Civil e vice na chapa de Bolsonaro em 2022;
General Augusto Heleno - ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional;
Alexandre Ramagem - ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência - Abin;
Anderson Torres - ex-ministro da Justiça e ex-secretário de segurança do Distrito Federal;
Almir Garnier - ex-comandante da Marinha;
Paulo Sérgio Nogueira - general do Exército e ex-ministro da Defesa;
Mauro Cid - delator de ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.Após primeiro dia de julgamento, Bolsonaro alega “sequência de casuísmos escandalosos” do STF
Moraes manda recado a ‘milícias digitais estrangeiras’ em julgamento: ‘Brasil é um País soberano’
O que acontece caso denúncia seja aceita?
Os primeiros passos a partir da aceitação das denúncias são a fase de 'instrução processual', quando o STF colhe as provas e depoimentos de testemunhas e acusados.Na sequência, é realizado um novo julgamento, no qual os ministros decidem se os envolvidos são inocentes ou culpados. Em caso de inocência, o processo é arquivado.
Se os magistrados optarem pela condenação, os réus recebem penas de forma individual, conforme o envolvimento de cada um nos crimes. A pena máxima pelos crimes imputados a Bolsonaro pela PGR pode chegar a 46 anos, conforme a legislação.
-
Julgamento dos próximos núcleos
Depois de julgado o primeiro núcleo, a próxima sessão de julgamento da denúncia da PGR ocorre em 8 e 9 de abril. Nesta data está marcado o julgamento do terceiro núcleo. O grupo reúne 11 militares da ativa e da reserva do Exército e um policial federal suspeitos de terem promovido ações táticas para levar a cabo um golpe. Já nos dias 29 e 30 de abril a acusação será contra o segundo núcleo, o operacional, com seis pessoas.Fazem parte do segundo grupo os ex-assessores de Bolsonaro Filipe Martins e Marcelo Câmara, o ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal Silvinei Vasques, o general Mário Fernandes, a ex-subsecretária de Segurança do Distrito Federal Marília de Alencar e o ex-secretário-adjunto da Secretaria de Segurança do Distrito Federal Fernando de Sousa Oliveira.
O que rolou no primeiro dia do julgamento
Por volta das 9h30 desta terça, o relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes, abriu os trabalhos com a leitura do relatório. Após a leitura, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, teve 30 minutos para apresentar a sua acusação. Depois dele, foi a vez das defesas dos acusados falaram por 15 minutos cada, e por último, as questões preliminares passam por análises dos ministros.Em um discurso firme, Gonet chamou a atenção para a gravidade do plano golpista e o risco que isso trouxe para a democracia do País.
“Todos aceitaram, estimularam e realizaram atos tipificados na legislação penal de atentado contra a existência e independência dos poderes e o Estado de Direito democrático. Os delitos descritos na denúncia não são de ocorrência instantânea. Eles compõem uma cadeia de acontecimentos, articulados para que, por meio da força ou da sua ameaça, o presidente da República Jair Bolsonaro não deixasse o poder, ou a ele retornasse, contrariando o resultado das eleições”, declarou.
O chefe da PGR também declarou que a "organização criminosa" criou a minuto de golpe, com um projeto de prender autoridades e agentes públicos "tornando nítido o ataque ao livre exercício dos poderes constitucionais".
Gonet diz que Bolsonaro e Braga Netto eram os líderes do plano golpista: 'Documentou seu projeto':
Após o procurador, foi a vez das defesas dos acusados apresentarem suas teses perante ao colegiado. O advogado do ex-presidente Jair Bolsonaro, Celso Vilardi, disse que a denúncia da PGR contra seu cliente não tinha objeto específico e defendeu a rejeição. Ele ainda criticou a delação de Mauro Cid e negou a participação de Bolsonaro no golpe.
“Foram determinadas buscas e apreensões, foi feita a quebra de nuvens, o presidente foi investigado, buscas e apreensões. O que se achou com o presidente? Absolutamente nada. E com todo o respeito e com toda a vênia, ilustre procurador-geral da República, eu contesto essa questão do documento achado do Partido Liberal. Há, inclusive, no meu colega Paulo Bueno, uma ata notarial de que ele enviou para o presidente da República aquele documento. Então, esse documento não foi achado. Com o presidente não se achou absolutamente nada”, enfatizou o advogado de Bolsonaro.
Vilardi afirmou entender a gravidade de tudo que aconteceu no 8 de janeiro e destacou o repúdio do próprio ex-presidente com os atos. “Não há um único elemento, nem da delação. Aí me criticam que eu digo que a delação não vale nada, óbvio, porque nem o delator que o acusou fez qualquer relação dele com o 8 de Janeiro. Não há uma única evidência a esse respeito”, disse.
"Não é possível que se queira imputar a responsabilidade ao presidente da República o colocando como líder de uma organização criminosa quando ele não participou dessa questão do 8 de janeiro. Pelo contrário, ele a repudiou", acrescentou ele.
Já a defesa do ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de Bolsonaro, general Augusto Heleno, afirmou que a denúncia da trama golpista, envolvendo seu cliente é ‘terraplanismo argumentativo’.
O advogado Matheus Mayer Milanez argumentou que não há provas contundentes de que o general Heleno tenha envolvimento na tentativa de golpe de Estado. “Eu recordo muito de uma série que está passando em um grande streaming, em que cientistas querem chegar a uma conclusão e eles vão construindo provas para se chegar nessa conclusão. Então, o objetivo é: provar que a terra é plana. Se faz inúmeros experimentos, inúmeros estudos para se provar que a terra é plana. O que está acontecendo no presente caso é o terraplanismo argumentativo”, declarou.
A defesa do general ainda afirmou que se "está querendo colocar Augusto Heleno na organização criminosa", e que “pegaram” tudo que foi possível para dizer que seu cliente fazia parte do plano.
Derrotas para as defesas quase unânimes
A defesa tentou declarar Moraes, Dino e Zanin impedidos de atuar no caso por ausência de imparcialidade, bem como atacar a competência da 1ª Turma em julgar o caso. Todos os ministros votaram contra essas duas preliminares.Moraes negou que o STF esteja condenando "velhinhas com a Bíblia na mão" pelos atos golpistas de 8 de janeiro e comparou o argumento usado por Bolsonaro e aliados --na tentativa de desacreditar a competência da Corte-- ao terraplanismo.
"Se criou uma narrativa, assim como a terra seria plana, de que Supremo Tribunal Federal estaria condenando ‘velhinha com bíblia na mão’, que estariam passeando num domingo ensolarado pelo Supremo Tribunal Federal, Congresso Nacional e pelo Palácio do Planalto. Nada mais mentiroso do que isso, seja porque ninguém lá estava passeando e as imagens demonstram isso, seja pelas condenações, que eu peço para colocar para facilitar”, declarou.
Na terceira preliminar, que avaliava a possibilidade de o julgamento ser direcionado para o plenário do STF, o ministro Luiz Fux foi o único que votou a favor, mas ficou vencido. "Essa matéria não é tão pacífica assim. Essa matéria já foi mudada e remudada e voltou-se à tese originária várias vezes”, justificou.
Foram rejeitados por unanimidade todos os pedidos de nulidade do julgamento, que questionavam o procedimento investigativo que levou à denúncia enviada pela PGR ao STF e pediam a aplicação das regras do 'juízo de garantias'.
Por fim, as defesas de Bolsonaro e Braga Netto também tentaram anular o acordo de colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid. Mas, esse pedido também foi rejeitado por todos os integrantes da Primeira Turma.
Gritos e prisão
Durante a leitura do relatório, quando estava caminhando para conclusão, Alexandre de Moraes foi brevemente interrompido com gritos vindos de fora do Plenário. O barulho ocorreu quando o ministro mencionava os nomes do ex-presidente e outros 7 acusados pelo cometimento de golpe de Estado. No ato provocativo, o ministro escutou palavras de ordem, como: "arbitrário".Os gritos foram do ex-desembargador Sebastião Coelho, atual advogado de Felipe Martins – que também foi denunciado pela tentativa de golpe, mas não compõe o núcleo que está sendo julgado. O advogado foi detido pela Polícia Judiciária e conduzido a área interna do STF para fazer boletim de ocorrência. Após a breve interrupção, Moraes concluiu a leitura do relatório e passou a palavra ao procurador-geral da República, Paulo Gonet.
Do lado de fora, o deputado federal Coronel Meira (PL-PE) se descontrolou e tentou dar ‘carteirada’ ao ser barrado na entrada do plenário da Primeira Turma. Ele, que também é coronel da Polícia Militar de Pernambuco, foi vetado porque o local estava lotado. “Eu sou coronel, sou deputado, tem que me respeitar nessa p*rra. Ou me respeita, ou me respeita”, gritou ele com o segurança.