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O professor doutor Sérgio Salomão Shecaira fez um apanhado histórico sobre a legislação que regulamenta a execução penal e suas alternativas penais. Lembrou que há cem anos acontecia a Revolta Paulista (entre 05 e 28 de julho de 1924), que foi iniciada pelo movimento político Tenentismo, em 2022, e explicou os fatos que ocorreram na sequência: em setembro, por decreto do então governo de Arthur Bernardes, ficou estabelecido o Sursi (modelo belga), em novembro a regulamentação do livramento condicional foi devidamente regulamentado, (existia desde o Código Penal de 1890), e em dezembro, um decreto criou os Conselhos Penitenciários.
Ele explicou que as alternativas penais não foram uma questão humanitária, foram regulamentadas para resolver o problema das greves que incomodavam o governo. Quando uma liberdade era concedida, era festejada. Davam uma caderneta de liberado condicional.
“Horrível hoje, ver a mídia pedindo mais cadeia, mais pena de morte. Isso mostra um pouco daquilo que era essencial na existência no passado. A liberdade hoje passou a ser a antítese do que pensamos: prenda, puna, coloque na cadeia. (...) Não obstante termos duas ditaduras (Vargas-1930 e Militar-1964), tínhamos pensamento humanista, resultado de 1924. Tivemos uma mudança de perspectiva de vida”, comparou Shecaira.
Ele afirmou que a reforma da Lei de Execução Penal, em 1984, foi aprovada com facilidade por um congresso da ditadura, com senadores biônicos (1/3 do congresso). A partir de 1989, aconteceu uma mudança no existir da humanidade com a queda do muro de Berlim, em 1990 o movimento de globalização, que parte do centro para a periferia e o centro ganhava sempre, causando o efeito de crise, de perda de valores indenitários dos grupos sociais nas periferias.
Então, acontece uma quebra de valores que estruturam o século XX. Essa quebra de identidade da pessoa e do valor do trabalho, da importância dos direitos trabalhistas e da reforma previdenciária. O trabalhador passa a ser dispensável, não é mais importante por seus valores. Logo após a reforma, a constituição, que navega no mesmo caminho da Reforma Penal humanista, maximiza a pena punitiva.
A legislação de 1984 que fora desencarceradora passa a ser encarceradora. Ao longo dos anos temos inúmeras leis que maximizam a lei punitiva. Elementos que vão ampliando o Estado, a polícia. Mudança na lei das drogas que aumenta a intenção punitiva. Por último, a cereja do bolo foi o pacote anticrime, que tinha duas partes: uma boa, processual, e uma ruim, penal.
“A parte processual aprovada, o ministro guardou na gaveta. A parte penal é aporofóbica (ódio aos pobres). Esta lei põe a cereja no processo que é a construção do bolo. Transforma o que era exceção em regra. O crime hediondo é uma exceção e a lei transforma roubos em crime hediondo. Homicídio, latrocínio, tráfico de drogas, que são hediondos, que foram concebidos para ser a exceção, agora são regra. Eu acho que não podemos ter esperanças no Legislativo. Não podemos esperar nada deles. Ou o Sistema de Justiça como um todo, professores e magistrados lutam por isso, ou juízes fazem o seu papel, os promotores e o Judiciário capitaneando ou teremos mais do mesmo”, desabafou o professor doutor.
Shecaira lembrou a sentença proferida por Márcio José de Moraes, juiz que ingressara um ano antes na magistratura federal de São Paulo e em pleno AI5 (Ato Institucional nº 5), em 1978, condenou a União pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog. Mostrou que o Judiciário, não podendo fazer política, podia. “Ou os Márcios se multiplicam, ou nos professores fomentamos o retorno do humanismo, ou permaneceremos na situação que estamos hoje, que é de tristeza. Afinal, vemos um pouco do humanismo que resta para esses grupos, ou a gente continua a ter essa perspectiva, ou não há mais possiblidade de continuar na docência. Marques abriu um caminho para o libertarismo penal. E parafraseando Marx, digo: “operadores do Direito, uni-vos".
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Ele iniciou dizendo que praticamente todas as 22 reformas realizadas a partir de 1984 na LEP foram para encarcerar mais e castigar mais o preso. De 1984 até agora muitos pontos desde a redação original são controvertidos. Ele chama a atenção para o termo ressocializar. “A LEP não conhece o termo ressocialização, mas caiu na boca do povo. Na mídia, o indulto de Natal era confundido com saída temporária, agora a triste Lei nº 13.843/2024 praticamente aboliu essas saídas temporárias. Quero tentar desmistificar a palavra ressocialização, que significa socializar novamente”, disse.
Ele então mostrou que cerca de 70% de quem ingressa no Sistema Penal Brasileiro tem, em média, entre 18 e 24 anos de idade, não tem profissão definida, é analfabeto, vem de família desconstituída e tem envolvimento com drogas. (...) “A LEP persegue e quer, desde 1984, integrar socialmente o condenado, ou seja, reconhecer que as pessoas que ingressam no cárcere são despidas de um perfil social, de uma socialização e por isso dentro do ambiente prisional deve haver escola, trabalho, saúde, mínimas condições para socializá-lo e para que retorne ao convívio social sem mais delinquir”, opinou o professor.
Unificação da Pena - O segundo ponto controvertido é a efetivação da sentença penal condenatória que é a outra finalidade da execução penal. Nunes enfatizou que nunca se deve confundir finalidade de pena com finalidade de execução penal. “São 250 mil mandados de prisão, à pena privativa de liberdade, sem cumprimento, de pessoas condenadas por sentença penal condenatória, transitado e julgado. Então não posso acreditar que essa finalidade de efetivar uma sentença penal condenatória possa existir no Brasil.”
Como exemplo da unificação da pena, que para o professor doutor “é a pior redação que existe nos 213 artigos da LEP”, expos que, existindo mais de uma condenação o juiz deve unir as penas e fixar o regime prisional adequado. “(...) E o que acontece na realidade dentro da Justiça de Execução Penal é que quem fixa regime prisional é o juiz sentenciante. Artigo 59 do Código Penal. Juiz de execução não fixa regime prisional. Ele modifica em duas hipóteses, progressão e regressão de regime. Todos aqui sabem costumeiramente, se vê uma unificação de pena, se a soma total for acima de oito anos, o juiz de execução faz às vezes de juiz sentenciante e estabelece o regime fechado com base no artigo 33 do Código Penal, violando quase sempre a coisa julgada”, explicou.
O professor enfatizou que é preciso ter cuidado com a unificação da pena realizada no Brasil, porque o juiz de execução penal não é o juiz sentenciante. Ele apenas declara o regime em que o réu deve iniciar o cumprimento da pena e se na decisão de unificação, o réu não foi condenado em regime fechado em nenhum dos processos, é impossível remeter este réu para cumprir inicialmente em regime fechado.
“Isso acontece constantemente e “a pior violação que existe é a violação a coisa julgada”. O assunto é controvertido porque o próprio dispositivo do artigo 111 não ajuda e contribui para essa controvérsia que existe nas Varas de Execução Penal e nos tribunais, sejam federais, estaduais ou superiores”, finalizou.
Súmula 534 do STJ e paragrafo 6º do artigo 112 da LEP - O professor doutor Adeildo Nunes declarou que considera a Súmula 534 do STJ e o parágrafo 6º do artigo 112 da LEP, conferido pela Lei Anticrime, inconstitucional por violação ao direito adquirido.
De acordo com ele, a Súmula 534 estabeleceu inicialmente que se o réu durante o cumprimento da pena cometer uma falta grave dá-se a interrupção no tempo de cumprimento de pena para efeito de progressão de regime. Com a lei anticrime, incorporou-se à LEP praticamente a mesma redação. Sou condenado no regime fechado, condenado a 15 anos condenado, cumpriu oito, progredi para o semiaberto e cometo falta grave. A próxima progressão que devo contar tem que ser a partir da data do cometimento da infração disciplinar. Tanto a súmula como a lei 13.964 nesta parte, viola frontalmente o direito adquirido.
“Cumprimento de pena é requisito para quase tudo em execução penal. Comportamento carcerário e/ou disciplina prisional e cumprimento de pena é um requisito que o juiz de execução observa em qualquer situação que ele for decidir. Eu vejo não só a sumula 534 como o paragrafo 06, do artigo 112 da LEP com a nova redação da lei anticrime, como inconstitucional por violação ao direito adquirido. Tenho o direito adquirido ao tempo de cumprimento de pena. (...) Em outras palavras, ele jamais terá a possibilidade de progredir de regime”, afirmou o professor.
Disciplina prisional - O palestrante afirmou que somente 15% dos presídios brasileiros cumprem a LEP na questão do sistema disciplinar, que deixou para os Estados aplicarem o procedimento administrativo para tratar das faltas médias e leves. O juiz de execução penal não interfere no processo disciplinar, a não ser que haja nulidade administrativa adotada pelos estados.
Deve o diretor instaurar um procedimento administrativo, que deve seguir as regras, editar um ato administrativo para instaurar o procedimento e fundamentar a decisão. “O que é controvertido é que a grande maioria dos privados de liberdade vai para o castigo, sem sequer ter a possibilidade de se defender de uma acusação. (...) Quero enfatizar que é possível o diretor decretar o isolamento preventivo por dez dias, escrito e documentado. E nós precisamos adotar providência sobre isso. Como fazer? Provocar o juiz de execução penal sobre a ausência do procedimento administrativo e até requerer a nulidade do procedimento, que acontece com frequência, que é o caso da ausência da ampla defesa”, ensinou ele.
#Paratodosverem. Esta matéria possui recursos de texto alternativo para inclusão das pessoas com deficiência visual. Descrição: Foto 1: A imagem, em close, mostra o professor doutor Shecaira falando ao microfone, no púlpito. Ele é um homem idoso, de cabelos curtos e brancos, usa óculos de grau, veste terno azul-marinho, camisa azul-claro e gravata vermelha. Foto 2: A foto mostra o segundo palestrante, professor doutor Adeildo Nunes, falando ao microfone, no púlpito. Ele é um homem idoso, com barba e cabelos brancos, usa óculos de grau e está vestindo terno azul-marinho, camisa azul-claro e gravata marrom. Atrás dele é possível ver as três bandeiras: Mato Grosso, Brasil e Judiciário.
Marcia Marafon/ Fotos: Ednilson Aguiar
Coordenadoria de Comunicação Social do TJMT