26 de Abril de2024


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EDITORIAL Quinta-feira, 23 de Março de 2017, 07:39 - A | A

Quinta-feira, 23 de Março de 2017, 07h:39 - A | A

OPINIÃO

Onde a carne é realmente fraca

Vi pessoas inteligentes, esclarecidas, formadoras de opinião em suas respectivas áreas de atuação, usando esse episódio

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

Constatando a operação em si e, mais do que ela, a repercussão nas mídias sociais, na imprensa e dos mercados, o ponto que chamo a atenção aqui é aquele que trata do nosso verdadeiro calcanhar de aquiles: imagem. Não só da cadeia da carne, mas do agronegócio como um todo.

Vi pessoas inteligentes, esclarecidas, formadoras de opinião em suas respectivas áreas de atuação, usando esse episódio, ainda mal explicado em sua totalidade, como uma desculpa para martelar novamente o estereótipo formado ao longo dos últimos 20 anos: o do agricultor ou pecuarista que explora o trabalho, agride o meio ambiente e não se preocupa com a qualidade do que se produz. O retrato representado pela “bancada ruralista”, termo pejorativo que caracterizou políticos do Congresso que atuam defendendo os interesses do setor, hoje suavizado em “frente parlamentar da agricultura”.

Com uma população 84% urbana, o hiato entre o meio rural e o meio urbano só aumenta, principalmente nos municípios e capitais nos quais a produção agropecuária é pouco relevante. Nesse cenário que a cada ano se intensifica, é particularmente notável como os estereótipos equivocados e superficiais são prevalentes quando se pensa no agronegócio brasileiro. Não há meio termo: temos apenas duas “personas” que produzem alimentos: o sitiante desassistido e explorado, e o latifundiário (para usar um termo comum quando eu estava na escola) explorador, poluidor, inconsequente, que presta um desserviço ao país e atende pelo nome de “agronegócio”.

Na visão de grande parte da população (diga-se, do consumidor), o agronegócio é isso. Os recordes de produção, exportação, eficiência, itens abstratos para o cidadão comum, foram e são obtidos graças a comportamentos nocivos à sociedade, anti-éticos e assim por diante.

Daí, muito natural considerar que a produção desses produtores seja processada por empresas igualmente danosas, configurando uma cadeia produtiva marcada pelo atraso. Quando um episódio como o “Carne é Fraca” vem à tona, essa cadeia de pensamento é reforçada. Em outras palavras o estereótipo se materializa e se consolida quando algumas empresas lançam mão de práticas ilegais, sem aqui entrar no mérito da validade/correção da operação.

Isso tudo com um agravante muito significativo nos dias de hoje: com as mídias sociais, o movimento é irrefreável e o efeito disso é incalculável.

Disso, deriva-se dois pontos principais: primeiro, grandes marcas e uma cadeia inteira não podem correr riscos como os expostos pela Operação Carne Fraca. Não, BRF, JBS: vocês não podem sequer ter casos isolados (alguém duvida que, caso o problema ficasse restrito ao Pecin ou Larissa, teríamos no máximo uma pequena nota de rodapé?). Vocês são muito grandes para errar assim.

A partir do momento em que, ainda que de maneira “isolada” ou mal explicada, grandes marcas e grupos que basicamente representam a própria cadeia produtiva são envolvidos, todo o sistema é colocado sob dúvida. Nessa situação, não tem como separar o “joio do trigo”, como quer o Ministro Blairo Maggi. Não é o Pecin; é a BRF, ainda que em uma planta apenas, e em condições não totalmente explicadas; é a JBS, com o Tony Ramos e a Fátima Bernardes alardeando sua qualidade aos quatro cantos.

O segundo ponto é que a enorme competência do agronegócio brasileiro termina quando o tema é dialogar com a sociedade. Esse é um problema histórico, agora potencializado em uma época em que cada cidadão é um formador de opinião. Não adianta comprar espaço na Globo e colocar o Antônio Fagundes falando bem do agronegócio. Esse mundo não existe mais! O consumidor não engole essa conversa e, possivelmente, isso só reforçará a visão de um conglomerado forte, capaz de investir em mídias caras, com celebridades, em uma ação “top/down”.

O que precisa – e isso não é fácil – é mostrar para o consumidor comum quem é que está por trás da produção de alimentos. O que é a produção de alimentos no país. Mostrar que o agronegócio não é formado por empresários sem alma e sem moral, mas sim (em sua enorme maioria) por pessoas que ralam para produzir a comida de qualidade que compramos todos os dias; que temos um dos códigos florestais mais rigorosos do mundo; que não temos subsídios e, ao contrário, crédito escasso e caro; que temos empresas sérias e assim por diante.

Temos que trabalhar para mudar a “persona” que representa o agro, até porque essa “persona” estereotipada não representa, na prática, o grosso das milhões de famílias que compõem a produção de alimentos.

Hoje, da forma como atuamos, é fácil bater no agro: ninguém irá nos defender, mesmo sendo responsáveis pelo superávit comercial do país e qualquer outra medida de sucesso que queiram colocar. O agro não tem nome, normalmente não tem rosto e, quando tem, ele é feio, muito feio. Parece que somos uma espécie de “Geni” da economia!

Não adianta falarmos para nós mesmos; isso tudo nós já sabemos. É preciso dialogar com o consumidor, e nisso temos sido francamente incompetentes. É precisamente nessa frente que, não só a carne, mas todo o agro, é fraco. Muito fraco!

 

 

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